é pouco mais do que um fiapo de ser humano, a mulher que me toma a dianteira na corrida para a caixa registadora. vejo-a pousar o cabaz cheio e os olhos vazios nas mãos de sopeira da dona augusta, que passa os códigos de barras a velocidade de cruzeiro, ao ritmo do chilreio electrónico que o dinheiro faz quando está a entrar em caixa. uma sinfonia para os seus ouvidos.
no cesto de compras da mulher que tem a espessura de um fio de cabelo, entrevejo um saco de batatas para assar, alguns dentes de alho, uma lata de polpa de tomate, 1 kg de arroz carolino e duas maçãs starking. no fundo do cesto, espreita a cápsula de uma garrafa de logan, muito tímida, por entre os restantes víveres.
ela, como se temesse a censura, põe-se a falar da fruta. elogia com desmando as propriedades das maçãs que leva para casa, lamentando o facto de já só haver duas senão levava mais. já a cicuta parece ser preferível às tangerinas que me viu ensacar para comer mais logo, depois do jantar, avisando-me que, quando as come, passa mal a noite e a manhã é toda feita a vomitar. aliás, ainda ontem voltou a tentar comer uma tangerina. o senhor doutor diz que precisa de vitamina c e, então, levou algumas daqui da senhora augusta. o resultado foi o de sempre. nunca mais.
ao devolver-me o troco (renitentemente, como é seu hábito), a dona augusta acha por bem informar-me que ontem não teve, em momento algum, tangerinas para vender.
gente assim só dá mau nome à hortifruticultura.
- azeite